terça-feira, 23 de agosto de 2011

Mídias sociais e coberturas participativas


>>Artigo que publiquei, este ano, no e-book "Para entender as mídias sociais", organizado pela Ana Brambilla. 

Reconhecidas historicamente por seu papel de intermediárias da informação na sociedade, as empresas jornalísticas veemse hoje diante de pelo menos um desafio no cenário das mídias sociais: como continuar sendo referência de credibilidade para um público cada vez mais atuante e participativo? Com as possibilidades trazidas ou reforçadas pela Web 2.0, o público tornouse fonte de informação, muitas vezes noticiando antes dos veículos de referência.  Basta um aparelho móvel conectado para que sejam publicados relatos por meio de vídeo, texto e fotos, direto do local dos acontecimentos. Diante desse contexto, a resposta mais comum das organizações jornalísticas tem sido a adoção de estratégias de abertura na produção dos conteúdos e de inclusão do público em suas coberturas noticiosas.

Inicialmente, a tendência foi inserir seções de jornalismo participativo ou cidadão nos portais ou sites jornalísticos, geralmente com a edição final a cargo de uma equipe da própria redação. Algumas empresas também passaram a incorporar blogs de jornalismo hiperlocal aos seus  portais, e outras iniciativas com um tom de participação comunitária. Essas estratégias participativas, no entanto, raramente pautam os espaços institucionalizados do jornal, ficando na maior parte do tempo limitadas a uma seção específica. A partir de 2008, com o crescimento das ferramentas de mídia social, com destaque para os usos informativos do Twitter e as possibilidades de relacionamento do Facebook, o cenário ficou mais complexo, pois se criou um fluxo intenso de informações produzidas e/ou disseminadas pelos próprios usuários, sem necessidade de mediação institucional.

Muitas empresas jornalísticas passaram a marcar presença nos sites e ferramentas de mídia social, sem saber direito o que fazer. Algumas continuam reproduzindo o modelo de transmissão da mídia de massa, usando seus perfis apenas para difundir informações. É o caso do @g1 (do portal de notícias da Globo), que em geral utiliza feeds automáticos para postar manchetes em seu perfil no Twitter. Outras empresas jornalísticas, além de postarem informações, também procuram interagir com o público no Twitter, como é o caso dos perfis @estadao (do jornal O Estado de São Paulo) e @zerohora (do jornal gaúcho de mesmo nome).

A participação do público, antes limitada a uma seção no site ou no portal da empresa  jornalística, agora ocorre em fluxo contínuo, através das possibilidades de produção, distribuição e compartilhamento das ferramentas de mídia social. Em coberturas participativas pelo Twitter, os seguidores do perfil de uma organização jornalística (seja jornal, rádio, TV) são convidados a contribuir em algumas coberturas específicas. Os relatos e imagens enviados pela audiência por meio de posts em até 140 caracteres são depois compartilhados com os demais followers, através dos retweets (RTs).

Em minha dissertação de mestrado, analisei duas coberturas jornalísticas, separadas pelo intervalo de um ano, realizadas pelo perfil @zerohora. Os resultados da pesquisa revelaram um crescimento significativo da inclusão do público na narrativa jornalística. Se, em um primeiro momento, o jornal ainda prioriza a difusão de informações, utilizando a mídia social de forma massiva, logo a prioridade passa a ser o compartilhamento das informações geradas pela comunidade de seguidores do jornal no Twitter. Percebese, assim, uma maior exploração das possibilidades da mídia social pelo jornalismo, com maior destaque para a participação.

Na primeira cobertura analisada, foram selecionados 81 tweets postados pelo perfil  @zerohora entre 18/11/2009 e 18/12/2009 que se referiam à cobertura de um temporal. Desse total, a maioria das postagens, correspondendo a 65% do total, dizia respeito à difusão de informações. A participação apareceu apenas nos tweets em que @zerohora solicitava a  contribuição dos seguidores na cobertura, com 12% do total de posts. Em menor número, apareceram usos voltados à conversação com os seguidores e ao compartilhamento, por meio dos retweets. Essa primeira cobertura analisada mostrou que, embora usando a mídia social, o jornal deu preferência a um uso massivo do Twitter, mais distribuindo notícias do que  interagindo ou dando espaço à colaboração dos seguidores.

Já na cobertura de trânsito, que ocorreu um ano depois da primeira, foram selecionados 141 tweets postados por @zerohora entre 05/12/2010 e 05/01/2011. Nesse caso, as contribuições do público se sobrepuseram às notícias dadas pelo próprio jornal. Mais de 65% dos tweets foram RTs, a maioria deles referente a relatos enviados pelo público. Nesse caso, diminuiu o número de tweets em que o jornal solicita a participação, mas aumentou consideravelmente o compartilhamento da participação efetiva dos seguidores. Os resultados mostraram uma  evolução da apropriação do Twitter como mídia social por parte de @zerohora, a partir da valorização da cobertura participativa.

Embora seja um case pontual, @zerohora pode fazer parte de uma tendência mundial em  termos de cobertura jornalística através do Twitter. Especialmente em catástrofes e conflitos políticos, o Twitter cada vez mais reúne um grande número de atores sociais capazes de postar informações relevantes direto do palco dos acontecimentos. Cabe aos perfis das organizações jornalísticas, ou dos próprios jornalistas, atuarem na moderação dessas informações, apurandoas e replicando o que for relevante. Talvez seja esse o novo papel que caiba ao jornalismo na era das mídias sociais: atuar como uma espécie de atestado de credibilidade ao primar não pelo furo da notícia, mas por sua validação.

Jornalistas e organizações informativas ao redor do mundo têm tentado encontrar o melhor uso para as mídias sociais, e alguns casos de sucesso envolvem a adoção de coberturas participativas no Twitter. É o caso do jornalista norteamericano Andy Carvin, da NPR (rádio pública dos EUA) que realiza sua cobertura sobre o mundo árabe de modo participativo, por meio de RTs no Twitter. Devido ao grande número de perfis que segue e de sua influência na Web, o repórter tornouse uma espécie de agência de notícias que representa a NPR nas mídias sociais. O papel de mediador que conquistou nesse espaço tem tanto peso, que a rede decidiu manter seu perfil pessoal ao invés de forçálo a usar o nome da organização.

A adoção da cobertura participativa nas mídias sociais por parte das organizações noticiosas é algo recente, mas pode ser uma iniciativa capaz de agregar um novo tipo de credibilidade no espaço digital. Incluir o público passa a ser vital para a sobrevivência do próprio jornalismo. Difundir e transmitir são verbos da era de massa que parecem ficar cada vez mais no passado, dando lugar a outros mais adequados à mídia social, como conversar, compartilhar e interagir. De qualquer modo, ainda é cedo para sabermos a fórmula ideal desse novo jornalismo, se é que essa fórmula existe.

>> Vale a pena conferir todos os artigos do e-book. Tem gente de peso lá, a começar pelos prefácios de Raquel Recuero, Juliano Spyer e Edney Souza, além de Pollyana Ferrari, Eric Messa, Gil Giardelli, dentre tantos outros. Ainda não fez o download? É só clicar aqui


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