segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Aberrações de um jornalismo sem diploma (por enquanto)

Quem me conhece, sabe que desde sempre sou defensora da obrigatoriedade da exigência do diploma em Jornalismo para exercício da profissão.  Sempre entendi e respeitei, no entanto, a opinião contrária daqueles jornalistas que obtiveram seus registros em função dos anos de prática comprovada, mesmo sem a formação. Aliás, conheço alguns que, mesmo sem formação, defendem a exigência do diploma como forma de qualificar a atividade. Entendo, até certo ponto, aqueles jornalistas formados que acham dispensável o diploma, pois consideram que aprenderam mais no mercado que na faculdade.
Os primeiros eu entendo e respeito porque são pessoas que não tiveram oportunidade de frequentar a universidade ou o curso de Jornalismo e iniciaram sua vida profissional em outros tempos. Esses últimos, geralmente jovens que estão há pouco no mercado, eu até entendo, porque em geral são profissionais que relegam a importância da faculdade a segundo plano por pura ignorância. Não leve por ofensa se é o seu caso, mas se você não soube aproveitar a melhor oportunidade da sua vida para tentar fazer diferente do que fazem as empresas na prática jornalística e não entendeu o papel da universidade, será um operário da indústria da informação e não um profissional pensante. Se sua formação falhou em aspectos técnicos ou teóricos e foi o mercado que preencheu isso, seu problema é grande. Vai ser um mero reprodutor de modelos provavelmente sem argumentos contra seus chefes.  Pode ser que, se você sempre concordar com eles, chegue longe na carreira. É claro que ser empregado não é o único caminho para ser jornalista, e cada vez mais existem grandes oportunidades para que o profissional seja empreendedor, sobretudo na web, mas sem formação esse caminho é mais difícil ainda. 
Agora, quem eu não consigo entender, com todo o respeito que merecem, são os professores de Jornalismo que defendem que o diploma não deve mesmo ser obrigatório. Alguns até usam argumentos nobres, como a defesa de um jornalismo mais plural e tudo o mais, mas a sensação que eu tenho é que esses pesquisadores e docentes não conhecem a mesma realidade de aberrações que eu conheço quando o diploma é dispensado. Tenho conhecidos e amigos que trabalham com registro sem nunca ter frequentado a faculdade. Respeito aqueles que têm instinto de repórter, esforçam-se para escrever direitinho e tentam ser bons profissionais. O problema é que eles podem ser redatores, webdesigners, repórteres, mas a maioria nunca leu qualquer livro de jornalismo, não sabe nada sobre o papel social da imprensa, e não tem a menor ideia do porquê da adoção do lead nas  matérias, só para falar do básico. Pelos artigos e mensagens que andei lendo dos professores que defendem a não obrigatoriedade do diploma em jornalismo, essa realidade que menciono não faz diferença. Talvez sejam profissionais que atuam em grandes centros, em que a maioria das empresas procura profissionais qualificados. Mas será que no interior, nas cidades menores, a população merece um jornalismo de pior qualidade? Quem sabe as empresas do interior passariam a procurar jornalistas graduados se houvesse maior fiscalização e incentivo?
Outro argumento é que vários países de primeiro mundo não exigem diploma em jornalismo e possuem um alto nível de produção jornalística. Mas será possível comparar nossa realidade com a desses países? Será que em Portugal, nos Estados Unidos ou na Espanha as empresas e a própria sociedade convivem bem com jornalistas que não conhecem a fundo a cultura, a história e as principais técnicas jornalísticas?
Não é preciso dizer que existem jornalistas formados que são medíocres aqui no Brasil, enquanto há outros sem formação que são muito melhores. Primeiro é preciso questionar os critérios do que seria um bom jornalismo. Mas esse argumento, de qualquer modo, é muito raso. Você seria a favor do exercício da medicina por pessoas talentosas, mas sem formação? Para não ficar no plano das ideias, trago aqui um exemplo que me deixa estarrecida e que nos dá pistas do tipo de consequência que ocorre quando o diploma de jornalismo deixa de ser o critério mínimo exigido para o exercício da profissão. Está no ar, registrado desde 2009 na internet brasileira, o site do tal “Sindicato Nacional dos Jornalistas”, o SINAJ, uma aberração estética, ética e de conteúdo. Fico imaginando que jornalista que tenha passado por uma universidade seria capaz de se filiar a essa entidade. 

O nível com que se trata o jornalismo no site do autointitulado Sindicato Nacional dos Jornalistas
Só de olhar o visual do site, já se tem uma ideia da qualidade da coisa. Poderia ser séria uma entidade que chama filiados oferecendo um curso “gratuito” de Jornalismo? Eles prometem que o certificado é válido em “todo o território nacional”. Não dá medo? Para receber a maravilha de curso, basta pagar um plano semestral de R$180,00 mais taxas.

O site do Sindicato Nacional dos Jornalistas: como isso pode estar online?
 Com a ajuda do Jonas Brasil, descobrimos que o site está registrado no Registro.Br desde 2009, quando precisamente no dia 23 de junho o Sinaj obteve seu CNPJ junto à Receita Federal. Coincidência ou não, poucos dias após a decisão do Supremo Tribunal Federal que derrubou a exigência do diploma para concessão do registro de jornalista. É válido destacar que a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) não dá qualquer sinal de endossar essa entidade, presidida pelo senhor Fernando Leão, que é responsável por uma emissora de televisão chamada NGT. Diretor de televisão presidindo sindicato de jornalístas?

O STF derrubou a exigência do diploma no dia 17 de junho...

... dias depois foi obtido o CNPJ do Sindicato, presidido por um diretor de uma emissora. 
Recentemente, com a aprovação da PEC dos jornalistas no Senado, que integra à Constituição a regulamentação da profissão de jornalista, fomos chamados “as viúvas de Gutenberg”, como se estivéssemos, ao defender a formação como critério mínimo de qualidade, ultrapassados e fora de moda.  Mas o retrocesso não seria justamente jogar o jornalismo na vala comum das atividades sem exigência de formação?
 Minha intenção não é ser corporativista ou defender reserva de mercado, mas lutar pela dignidade da minha profissão. Se as universidades e os cursos não estão preparando adequadamente, não é liberando geral que a qualidade dos jornalistas irá melhorar. Achar que o “mercado” prepara melhor é juntar-se ao argumento dos proprietários das grandes empresas de rádio e televisão e dos donos de jornais, que preferem mesmo jornalistas sem formação para poder melhor moldá-los aos seus interesses, além de pagar salários cada vez mais baixos. Até concursos públicos para jornalistas têm surgido sem exigência do diploma. É justo nivelar por baixo uma profissão com uma importância tão fundamental na democracia?
O presidente do Sinaj no destaque. Algum jornalista o reconhece como seu representante?
 Alguns críticos da exigência do diploma são profissionais e pesquisadores da área digital, que acreditam que as novas tecnologias incorporaram de vez todo mundo no processo de circulação de informações, sem necessidade de mediadores institucionais. Também pesquiso e atuo na área e penso que é justamente o contrário. Nunca se precisou tanto de mediadores qualificados, ainda que esse processo de mediação seja muito mais complexo hoje. Outra coisa: é preciso distinguir informação de notícia, jornalista profissional de cidadão, assim como liberdade de expressão de prática jornalística. Regulamentar a profissão não vai contra a liberdade de expressão, como defende a entidade representativa das empresas de comunicação, muito pelo contrário. Enquanto professores e profissionais se aliam a outros interesses que não o de uma melhor qualificação da profissão, quem perde é a sociedade e o jornalismo.
Se a PEC for aprovada depois de cumprir todas as votações, então poderemos discutir como melhorar a formação dos jornalistas nas universidades e ajudar a construir uma mídia informativa mais plural, democrática e ética, deixando mais constrangidos os autores das aberrações que hoje andam por aí livremente.

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